Estive lembrando do pensamento de dois dos meus autores favoritos, Weber e Bobbio, então aproveitei para deixar aqui algumas dessas lembranças sobre algumas obras destes grandes cientistas sociais.
Os conceitos de
dominação e poder constituem elementos importantes dentro da sociologia
weberiana. Através da análise da obra de Weber podemos extrair que, o Estado e
os governantes detêm a capacidade de dominar as sociedades porque são
reconhecidos como legítimos pelos indivíduos que formam estas sociedades. Uma
vez que, a sociedade reconhece essas instâncias como sendo detentoras legítimas
do poder, passam a obedecer às determinações que lhes são impostas. Todavia, é
importante atentar para o fato que um indivíduo não atribui esta legitimidade a
estas instâncias necessariamente por estabelecer com ela certa relação de
empatia, ou seja, uma pessoa pode não gostar do prefeito eleito para
administrar sua cidade, porém, o reconhece como sendo a figura legítima para
exercer esta função.
Este caráter de
legitimidade atribuída a essas instâncias permitem que sua dominação possa
estender-se por determinado tempo, fato este que nos leva a refletir que
existam diferentes modos de manifestação dessa dominação, como por exemplo, a
dominação exercida por Hitler durante o regime nazista na Alemanha, certamente
difere da dominação praticada por coronéis políticos dos interiores do Brasil.
Segundo
palavras do autor “poder significa a
probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo
contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa
probabilidade”. A dominação, por sua vez, é definida
como “a probabilidade de encontrar
obediência para ordens específicas dentro de determinado grupo de pessoas”. O próprio Weber
expõe em uma de suas obras que podem ser encontrados três tipos puros de
dominação, essas podem até combinassem entre si, são elas:
·
Dominação
tradicional caracterizada pelo respeito aos costumes e regras
enraizadas na sociedade com o passar do tempo. Este tipo de dominação
geralmente ocorre em virtude da crença na santidade das ordenações que existem
há muito tempo. Geralmente também os instrumentos de poder são da propriedade
do dominante, não havendo diferenciação clara entre os bens públicos e o
patrimônio do soberano.
·
Dominação
carismática ocorre em virtude
da devoção efetiva à pessoa do senhor e dos seus dotes sobrenaturais, seu
carisma e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder
intelectual ou de oratória.
·
Dominação
legal esta sustentada em torna da idéia de direito, ou seja, no
embasamento da racionalidade e da técnica de administrar. É o tipo de dominação
presente acredito que em todas as sociedades modernas, onde a racionalidade e a
justiça coexistem. Neste tipo de dominação sobressai a idéia de um estatuto que
deverá ser obedecido por chefes e funcionários.
Nas
palavras de Weber ”o Estado é uma
comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força
física dentro de um determinado território”.
Weber ao
discutir a formação do Estado Racional moderno defende a idéia da
racionalização da administração estatal, nesse sentido o processo de desenvolvimento
do Estado moderno passaria por todo um processo de sistematização de práticas
político-administrativa, efetivando assim a legitimidade de sua dominação sobre
a sociedade e, a partir daí sendo reconhecido como detentor único do poder de
coação sobre os indivíduos de uma sociedade.
Dessa
maneira, podemos compreender a inclinação de Weber na defesa de um corpo
administrativo, do Estado, composto por operadores do direito, no sentido de
atribuir a estes uma maior capacidade de sistematização e produção adequada das
atividades do Estado. O desenvolvimento capitalista moderno esta ligado, por
sua vez, a esse desenvolvimento e aplicação de um direito racional estatuído,
que passa por uma série de regulamentos, na óptica weberiana, racionalmente
concebidos.
Em sua reflexão sobre “Marx e o
Estado” Bobbio chama atenção para o pouco aprofundamento sobre a questão das
Instituições na “teoria política de Marx. Segundo Bobbio, a excessiva
preocupação dos clássicos marxista em tentar demonstrar a natureza de classes
do Estado e, conseqüentemente sua preocupação unicamente direcionada para as
lutas de classes dentro deste círculo social fez com que estas discussões
carecessem de descrições mais objetivas de como se daria esta dominação, sua
forma, origem e até seu caráter de legitimidade. Sobre esses aspectos as
teorias marxistas submeteriam de modo generalizante toda e qualquer forma de
Estado e de governo como sendo um aparelho de dominação das “classes
dominantes”, economicamente, suponho.
Analisando a obra de Bobbio percebemos sua crítica as contradições
existentes no interior da teoria marxista, sua falta de clareza e objetividade,
sobretudo a ausência de uma teoria sistemática sobre o Estado socialista que
Marx propunha, ou seja, como se daria a formação e a manutenção deste estado de
“ditadura do proletariado”, qual
forma de Estado e governo constituir-se-ia esse novo Estado socialista.
Bobbio coloca de maneira bastante clara que a obra de Marx não consiste
em uma teoria sobre o Estado, mas sim contra o Estado. Não existiria na
realidade uma Teoria Geral do Estado de Marx, muito menos uma teoria do estado
socialista. Esta negação ao Estado e a política por parte de Marx certamente
esta relacionada à sua idéia de que toda e qualquer expressão da política e do
Estado encerrariam na dominação de uma classe por outra. Dessa forma, Marx
defendia que uma forma de Estado prejudicial à sociedade não deveria ser
substituída por outra que não recaísse no mesmo mal, pois toda forma de Estado
estaria fadada a esta negação social, assim o que deveria ocorrer era a
extinção de toda a forma de governo político.
Outra passagem da crítica de Bobbio esta relacionada à idéia de
“ditadura do proletariado” que seria uma espécie de fase de transição do
“Estado mal” para o Estado sem classes defendido por Marx e seus seguidores.
Para Bobbio é principalmente nesta fase que se evidenciam as contradições e as
fraquezas da suposta teoria marxista, segundo Bobbio esta ditadura do
proletariado representa a idéia mais irreal e subjetiva de toda teoria de Marx
sobre o assunto. Nas palavras de Bobbio, esta passagem da teoria de Marx “não é
suficiente para constituir uma teoria do exercício do poder político”. Para
ele, não podemos, num mundo complexo como
o que vivemos contentarmo-nos com “fórmulas de efeito” como “democracia direta”
ou “autogoverno dos produtores”.
Considerando
os elementos aqui apresentados segundo a sugestiva e esclarecedora obra de
Bobbio podemos fazer um paralelo sobre a questão da sistemática e da objetividade
existentes nos trabalhos destes dois autores discutidos, onde claramente os
elementos que formam a reflexão de Bobbio sobre “Marx e o Estado” apresentam-se
com um teor de objetividade e de argumentação incomparavelmente superior em
relação aos elementos integrantes da obra de Marx. Esta opinião, todavia, não
pretende desmerecer a importância das clássicas obras marxistas que permanecem
atuais e com significativa relevância em diversas áreas do campo social, a
exemplo da exploração do trabalho, a mercantilização da educação e da saúde e
tantos outros problemas sociais presentes nas sociedades capitalistas
modernas. Contudo, no que se trata da
concepção marxista sobre o Estado, suas possíveis formas, os sistemas de
governo, as instituições que o compõem, e a sistemática das relações políticas
administrativas dentro do aparelho estatal, estas concepções sim, me parecem
irreais para o plano das complexas relações hoje estabelecidas entre as
diversas organizações que, se por um lado necessitam de reforma por outro,
jamais poderão ser substituídas por nada.