Um mundo alternativo
A começar pelo Direito!
Nossa
sociedade vive um paradoxo, o que de fato nos orienta e nos mantêm atrelados
uns aos outros em meio a toda essa desordem?
Como tentou demonstrar o grande sociólogo Weber, (um de meus preferidos,
aliás) a sociedade é um aglomerado de indivíduos que buscam incessantemente
seus objetivos, orientados por sua própria vontade, por diversos caminhos, de
diversas maneiras. Para quem se propõe a integrar a sociedade de modo ativo e a
fim de transformar a realidade na qual esta inserida, utilizando-se do direito
como seu principal instrumento de ação transformadora, entendo ser necessário
compreender primeiramente o atual quadro da estrutura de relações sociais,
conseguinte, qual o verdadeiro fundamento e eficácia do Direito nas atuais
circunstancias. Diretamente, pretendo apresentar aqui algumas questões que
integram um debate acerca da possibilidade de aplicação de um novo direito, ou
ainda, do uso alternativo do direito, deste mesmo direito que nas aulas sobre
os princípios norteadores da Administração Pública, levam até o menos crítico
de todos os estudantes de Ciência Jurídica a pensar: por que tanta
mentira?! Por que não tratar a coisa
como ela realmente é?! Enfim, espero que gostem de ler!
O Surgimento
O
movimento “Direito Alternativo” surgiu na Itália, na década de 60, entre
magistrados italianos e ganhou força no Brasil nos anos 90, sobretudo nas
universidades e com foco na região Sul, onde cerca de trinta juízes organizaram
um grupo, formado em 1986 em um Congresso da Associação de Juristas do Rio
Grande do Sul- Ajuris, em defesa do movimento que até os dias atuais vem
questionando os fundamentos do Direito, a verdadeira função do Poder Judiciário
e até mesmo o conceito de Justiça.
Nas
palavras de Eros Grau a proposta do movimento é “a adoção de uma norma sobre a
interpretação dos textos normativos”, em defesa dos mais pobres e oprimidos,
permitindo-se, inclusive, a submissão da legalidade em prol desta função
social.
O que condiciona a possibilidade do surgimento
de um “Direito Alternativo”
Claramente,
nos dias atuais o Direito vive uma crise social. Diversos elementos que compõem
o ordenamento jurídico estão em confronto direto com as reais necessidades do
povo. O Direito, assim como outras áreas das ciências humanas, sofre as
conseqüências de uma cultura secular alimentada pela desastrosa política
aplicada pelos governos, o baixo nível da educação, o método alienador dos
índices puramente quantitativos, o desinteresse generalizado pela cultura
diante de outras questões consideradas prioritárias, entre outros fatores que
elencariam uma lista quilométrica.
Se
o Estado já não consegue de maneira plena se fazer presente no centro do
território, na periferia este quadro torna-se ainda mais grave.
A
população que vive na periferia, as margens de toda e qualquer política
estatal, percebe com mais clareza o mito existente nas questões que envolvem a
imparcialidade do Poder Judiciário, a existência de poderes difusos ao poder do
Estado, inclusive de um gigante poder paralelo que ocupa as lacunas existentes
em virtude da ausência do Estado nestas regiões, aliado a isso, a não
consolidação dos direitos individuais e coletivos e também os direitos sociais
trazem conseqüências mais visíveis nesses setores. Todos esses elementos entre outros criam um
campo fértil para o enraizamento da violência, a instauração do tráfico, das
milícias, ou seja, de outros poderes que definitivamente ocupam o que por dever
cabe ao Estado. É importante esclarecer que não estamos tratando já aqui da
instauração de um novo direito, de um direito Alternativo, e sim de outro poder
que cada vez mais vem ocupando o espaço do direito atualmente imposto pelo
Estado. Trata-se do aspecto negativo desse contexto, passemos então ao caso do
Direito Alternativo instituído neste mesmo cenário apresentado.
A crise do Estado Moderno e o fim do
monopólio do direito estatal
O
Estado Moderno, em relação ao Direito, caracteriza-se principalmente pelo
monopólio da produção e do reconhecimento das normas jurídicas que compõem
nosso ordenamento, bem como pela relativa emancipação do Direito frente a
outras formas de ordenação social como a religião, a moral, etc.
Diante
deste cenário de grandes e complexas demandas associadas à ineficácia dos meios
pelos quais tem o Estado tentado dirimir estes conflitos de ordem social,
política, econômica e até cultural, a crise do Estado Moderno e de seus
institutos jurídicos passa a ser algo concreto, palpável e visível por todos
nós. Podemos apontar diversas razões que explicam (ou ao menos tentam) esta
decadência, a começar pela incapacidade do Estado de distribuir a todos sua
Justiça e assim deter o monopólio das decisões, conseqüentemente surgi também à
impossibilidade do estado em garantir o Bem-Estar Social da população, o que se
traduz na não concretização de um dos fundamentos constitucionais da República
Federativa do Brasil (ainda que não estejamos tratando de um problema exclusivamente
nosso!). Outro fator que merece ser apresentado é a relativização da soberania
estatal e o crescimento da importância dos organismos internacionais.
Ora
meus caros, como bem disse o excepcional professor João Maurício Adeodato “Se o
Estado subdesenvolvido não consegue distribuir a todos sua justiça e dessa
maneira ter o monopólio das decisões, se ele não decide, e é preciso decidir,
alguma outra instância terá de fazê-lo por ele.” Este e o cerne do debate sobre
um Direito Alternativo, um direito paralelo ao direito estatal, uma nova ordem
que se oferece como alternativa diante do direito dogmático. Este outro direito
aproveita-se das impotências e incompetências do direito estatal no trato dos
conflitos e toma seu lugar.
Ainda
para o professor Adeodato, existem três posturas diante do direito não-estatal:
a primeira ressalta a idéia daqueles que o consideram como algo irrelevante ou
ilícito; existem também aqueles aceitam apenas sua aplicação “praeter legem”, isto é, que se reveste
de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos, preenchendo lacunas;
por fim, temos os que afirmam tratar-se, na verdade, de um uso alternativo do
próprio direito.
O Direito Alternativo no Brasil
No
Brasil, sobretudo, no final dos anos 70, podemos destacar três correntes
teóricas distintas a respeito deste movimento.
De
acordo com a crítica stricto sensu, uma
corrente de caráter fortemente marxista, o direito produzido pelo Estado nada
mais seria do que um reflexo dos interesses da classe dominante. Esta linha
teórica não acredita no potencial libertador do Direito, entendendo-o como algo
extremamente negativo.
A
segunda corrente, declaratória de um uso
alternativo do Direito defende uma interpretação do Direito Estatal mais
avançada e mais próxima da realidade social. Esta corrente atribui aos juízes
de direito um papel fundamental no desenvolvimento desta prática forense,
concebendo cada magistrado como sendo o protagonista de uma ordem social mais
justa.
Por
fim, temos a terceira e última postura teórica em relação ao movimento, esta é
a corrente do Direito Alternativo, propriamente
dito, os seguidores desta linha defendem o desenvolvimento de um novo direito,
que se constituiria a partir da periferia da sociedade. Os defensores do
Direito Alternativo acreditam que os grupos marginalizados e mais explorados
congregam em si forte potencial de criação de um novo ordenamento livre dos
vícios do atual sistema jurídico.
O
já citado e renomado professor João Maurício Adeodato compreende de maneira
diferenciada que o Direito Alternativo pode ser encarado sob duas vertentes diferentes:
primeiramente, percebe-se a formação de um conjunto de mecanismos sociais que
ocorrem às margens do Estado criado espontaneamente pelo excluídos (visão defendida
pela doutrina majoritária), nesse sentido, o Direito Alternativo pode
desenvolver tanto na busca de lutar por reconhecimento de direitos ainda não
previstos pelo ordenamento jurídico oficial, como também na busca de tentar
concretizar a realização de direito já garantidos pelo Estado; sob o segundo
aspecto, teríamos a estruturação de certos procedimentos que são constituídos á
sombra do Estado, pelos próprios agentes do Poder Público e também por sobrecidadãos que desfrutam de acesso
privilegiado ao sistema oficial de conflitos, o direito Estatal, estes, por sua
vez, não se submetem ao direito oficial e utilizam-se de diversas estratégias
para burla a lei, a citar o famoso “jeitinho”, a corrupção, o clientelismo, a
ficção da isonomia, a dicotomia regra-exceção, entre outras formas de
procrastinação do feito.
Reflexão sobre algumas questões
Como
foi apresentado no inicio desta discussão, nosso atual ordenamento jurídico e o
Estado em sua completa estrutura sofrem fortes desencontros com a realidade
atual, todos estes conflitos de ordem econômica, social e política com os quais
nos deparamos todos os dias a cada passo que damos são reflexos de uma longa
trajetória política desequilibrada e descomprometida com o social. Seria de se
estranha o não surgimento de um movimento antagônico a este sistema, que se
propusesse a fazer aquilo tudo que o Estado tem o dever de fazer e não faz.
Todavia, devemos tomar cuidado, pois esta alternativa libertadora pode, assim
como tudo que existe, sofrer deturpações e trazer conseqüências negativas ainda
mais destrutivas que a própria negação dos direitos oficialmente postos.
Práticas
de vingança privadas, por exemplo, longe de consolidar uma nova ordem jurídica
positiva em todos os sentidos, na realidade traduzem práticas arcaicas cruéis
cuja abolição custou muito sangue da humanidade ao longo de sua história.