terça-feira, 10 de abril de 2012


 Nenhum Direito Fundamental é absoluto, nem mesmo a liberdade, nem mesmo a VIDA.

Aqueles que já assistiram ao filme laranja mecânica provavelmente se questionaram sobre as relações ali estabelecidas, sobretudo no que tange a liberdade individual de cada indivíduo inserido em uma sociedade perturbada por distintos conflitos. O filme traz uma discussão sobre duas questões que se apresentam como elementos importantes na formação de uma sociedade regida pelos princípios de um Estado Democrático de Direito: as liberdades individuais e o poder-dever de controle e coerção do Estado sobre os indivíduos.
O protagonista do filme é Alex DeLarge, um jovem líder de uma gangue de delinqüentes, que tem por diversão promover a violência, cometendo todas as formas brutalidade que tenha vontade, não se importando com as leis e sem nenhuma demonstração de humanidade para com o outro, pensando exclusivamente na própria diversão. No decorrer do filme, Alex é traído por seus companheiros de gangue e finalmente é pego pela polícia. Após ser preso, sofre um duro tratamento de reabilitação através de um novo método, desumano, que faz com que a pessoa fique totalmente indefesa com relação à violência do mundo. Passado o tratamento, nos é apresentado um “novo” jovem, avesso à prática de atos violentos.
O objetivo principal deste trabalho é confrontar a aplicabilidade e a eficácia destes princípios -liberdades individuais e controle do Estado sobre os indivíduos- dentro de uma sociedade dotada em certos aspectos por valores e ideais que integram a corrente de pensamento liberalista.
A respeito das liberdades de uma pessoa dentro da sociedade que ela faz parte tomamos o exemplo do jovem protagonista do filme em questão. Alex estava inserido em um contexto social onde a Inglaterra encontrava-se dirigida por duas poderosas Instituições, Estado e Igreja, onde a política de controle social se fazia da forma mais punitiva possível, em seu comportamento é possível notar o conflito sobre sua inserção na família, fora de casa, a questão da sexualidade, religião, enfim, diversos aspectos que nos permitem relacionar seu estado comportamental e psicológico com a sociedade a qual ele fazia parte. As cenas de violência, estupro e pancadaria acabam por despertar, em nós espectadores, uma consciente apatia que, por sua vez, só vem a confirmar o quanto somos inconscientes de nossos próprios conflitos internos e sociais, geralmente deixados de lado como se de fato não existissem, conflitos estes que são ignorados, justamente, devido a nossa falsa consciência de entendermos o dever de agir de acordo com as normas impostas pelo Estado.
Na prisão, o poder da religião age sobre Alex no sentido de fazê-lo sentir culpa pelos seus atos de violência praticados contra a sociedade. Esta ação dos dogmas religiosos sobre o que é certo ou errado fazer, de certa maneira, acaba por abrir caminho para o início do novo tratamento que o jovem irá sofrer. Neste tratamento, as substâncias injetadas no corpo da personagem tinham a finalidade de fazer com que toda vez que este se deparasse com alguma cena de violência percebesse em si sintomas de desconforto.
O resultado da experiência realizada pelo Estado sobre sua cobaia, Alex, veio a funcionar de fato, pois toda vez que o jovem se deparava com determinadas situações impróprias, sentia de imediato o temido desconforto. Em contrapartida, Alex em nenhum momento deixou de sentir-se mergulhado em seus antigos conflitos e desejos angustiantes. Então pensemos: neste ponto, o tratamento falhou? De maneira nenhuma, pois, ora, para o Estado, por meio da nova política de reabilitação proposta pelo Governo, seu objetivo foi alcançado, uma vez que, mesmo Alex tendo continuado a sentir seus agressivos desejos, ele já não era capaz de colocá-los em prática na sociedade. Para o Governo o que de fato importava era que aqueles atos de violência não mais fossem manifestados, independente de continuarem ou não guardados na mente do jovem infrator.
Fazendo um paralelo deste caso com a situação atual da sociedade brasileira, percebemos que diariamente nos submetemos às regras de conduta social impostas pelo Estado a fim de colaborar com a manutenção da ordem e da paz social, ainda que não estejamos de acordo com determinadas regras e situações conflitantes que representam, na maioria das situações, forte ameaça aos nossos direitos de liberdade, segurança, enfim, direitos fundamentais assegurados pelo próprio Estado.
Na realidade, pouco ou nada importa para o Estado nossos sentimentos, pensamentos, e ideologias, desde que, estes não venham a ser manifestados de forma que interfiram na liberdade do próximo.
O pensamento, em si, é absolutamente livre. É impensável imaginar que o Estado ou qualquer outra instância tenha condições de controlar e conhecer o que se passa de fato na mente do outro. Esse tipo de controle está totalmente fora do alcance do poder de controle social. Ideologias, conceitos, pré-conceitos, são questões de puro foro íntimo.
                Todavia, o poder-dever de agir do Estado surge necessariamente quando esses pensamentos são exteriorizados em suas manifestações. Se por um lado o pensamento, as crenças e os desejos que um indivíduo possui é absolutamente pessoal e livre, o seu direito de manifestá-los já não o é. E estão completamente inseridos em um rol de atos diretamente controlados por normas jurídicas que têm por função o controle social, objetivando promover a segurança de todos e atingir o pleno equilíbrio e a paz dentro de uma sociedade.
                Dessa forma, mesmo que todos tenhamos nossos conflitos internos, nossas angústias, ideologias e os mais impensáveis desejos, faz-se necessário a contrabalança de nossas vontades com aquilo que se espera do comportamento de um indivíduo médio dentro de uma sociedade submissa às leis daqueles que põem comida na boca de um delinquente em uma visita de hospital a fim de obter o seu silêncio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário