terça-feira, 10 de abril de 2012


Um mundo alternativo
A começar pelo Direito!

Nossa sociedade vive um paradoxo, o que de fato nos orienta e nos mantêm atrelados uns aos outros em meio a toda essa desordem?  Como tentou demonstrar o grande sociólogo Weber, (um de meus preferidos, aliás) a sociedade é um aglomerado de indivíduos que buscam incessantemente seus objetivos, orientados por sua própria vontade, por diversos caminhos, de diversas maneiras. Para quem se propõe a integrar a sociedade de modo ativo e a fim de transformar a realidade na qual esta inserida, utilizando-se do direito como seu principal instrumento de ação transformadora, entendo ser necessário compreender primeiramente o atual quadro da estrutura de relações sociais, conseguinte, qual o verdadeiro fundamento e eficácia do Direito nas atuais circunstancias. Diretamente, pretendo apresentar aqui algumas questões que integram um debate acerca da possibilidade de aplicação de um novo direito, ou ainda, do uso alternativo do direito, deste mesmo direito que nas aulas sobre os princípios norteadores da Administração Pública, levam até o menos crítico de todos os estudantes de Ciência Jurídica a pensar: por que tanta mentira?!  Por que não tratar a coisa como ela realmente é?! Enfim, espero que gostem de ler!

O Surgimento
O movimento “Direito Alternativo” surgiu na Itália, na década de 60, entre magistrados italianos e ganhou força no Brasil nos anos 90, sobretudo nas universidades e com foco na região Sul, onde cerca de trinta juízes organizaram um grupo, formado em 1986 em um Congresso da Associação de Juristas do Rio Grande do Sul- Ajuris, em defesa do movimento que até os dias atuais vem questionando os fundamentos do Direito, a verdadeira função do Poder Judiciário e até mesmo o conceito de Justiça.
Nas palavras de Eros Grau a proposta do movimento é “a adoção de uma norma sobre a interpretação dos textos normativos”, em defesa dos mais pobres e oprimidos, permitindo-se, inclusive, a submissão da legalidade em prol desta função social.

O que condiciona a possibilidade do surgimento de um “Direito Alternativo”
Claramente, nos dias atuais o Direito vive uma crise social. Diversos elementos que compõem o ordenamento jurídico estão em confronto direto com as reais necessidades do povo. O Direito, assim como outras áreas das ciências humanas, sofre as conseqüências de uma cultura secular alimentada pela desastrosa política aplicada pelos governos, o baixo nível da educação, o método alienador dos índices puramente quantitativos, o desinteresse generalizado pela cultura diante de outras questões consideradas prioritárias, entre outros fatores que elencariam uma lista quilométrica.
Se o Estado já não consegue de maneira plena se fazer presente no centro do território, na periferia este quadro torna-se ainda mais grave.
A população que vive na periferia, as margens de toda e qualquer política estatal, percebe com mais clareza o mito existente nas questões que envolvem a imparcialidade do Poder Judiciário, a existência de poderes difusos ao poder do Estado, inclusive de um gigante poder paralelo que ocupa as lacunas existentes em virtude da ausência do Estado nestas regiões, aliado a isso, a não consolidação dos direitos individuais e coletivos e também os direitos sociais trazem conseqüências mais visíveis nesses setores.  Todos esses elementos entre outros criam um campo fértil para o enraizamento da violência, a instauração do tráfico, das milícias, ou seja, de outros poderes que definitivamente ocupam o que por dever cabe ao Estado. É importante esclarecer que não estamos tratando já aqui da instauração de um novo direito, de um direito Alternativo, e sim de outro poder que cada vez mais vem ocupando o espaço do direito atualmente imposto pelo Estado. Trata-se do aspecto negativo desse contexto, passemos então ao caso do Direito Alternativo instituído neste mesmo cenário apresentado.

A crise do Estado Moderno e o fim do monopólio do direito estatal
O Estado Moderno, em relação ao Direito, caracteriza-se principalmente pelo monopólio da produção e do reconhecimento das normas jurídicas que compõem nosso ordenamento, bem como pela relativa emancipação do Direito frente a outras formas de ordenação social como a religião, a moral, etc.
Diante deste cenário de grandes e complexas demandas associadas à ineficácia dos meios pelos quais tem o Estado tentado dirimir estes conflitos de ordem social, política, econômica e até cultural, a crise do Estado Moderno e de seus institutos jurídicos passa a ser algo concreto, palpável e visível por todos nós. Podemos apontar diversas razões que explicam (ou ao menos tentam) esta decadência, a começar pela incapacidade do Estado de distribuir a todos sua Justiça e assim deter o monopólio das decisões, conseqüentemente surgi também à impossibilidade do estado em garantir o Bem-Estar Social da população, o que se traduz na não concretização de um dos fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil (ainda que não estejamos tratando de um problema exclusivamente nosso!). Outro fator que merece ser apresentado é a relativização da soberania estatal e o crescimento da importância dos organismos internacionais.  
Ora meus caros, como bem disse o excepcional professor João Maurício Adeodato “Se o Estado subdesenvolvido não consegue distribuir a todos sua justiça e dessa maneira ter o monopólio das decisões, se ele não decide, e é preciso decidir, alguma outra instância terá de fazê-lo por ele.” Este e o cerne do debate sobre um Direito Alternativo, um direito paralelo ao direito estatal, uma nova ordem que se oferece como alternativa diante do direito dogmático. Este outro direito aproveita-se das impotências e incompetências do direito estatal no trato dos conflitos e toma seu lugar.
Ainda para o professor Adeodato, existem três posturas diante do direito não-estatal: a primeira ressalta a idéia daqueles que o consideram como algo irrelevante ou ilícito; existem também aqueles aceitam apenas sua aplicação “praeter legem”, isto é, que se reveste de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos, preenchendo lacunas; por fim, temos os que afirmam tratar-se, na verdade, de um uso alternativo do próprio direito.

O Direito Alternativo no Brasil
No Brasil, sobretudo, no final dos anos 70, podemos destacar três correntes teóricas distintas a respeito deste movimento.
De acordo com a crítica stricto sensu, uma corrente de caráter fortemente marxista, o direito produzido pelo Estado nada mais seria do que um reflexo dos interesses da classe dominante. Esta linha teórica não acredita no potencial libertador do Direito, entendendo-o como algo extremamente negativo.
A segunda corrente, declaratória de um uso alternativo do Direito defende uma interpretação do Direito Estatal mais avançada e mais próxima da realidade social. Esta corrente atribui aos juízes de direito um papel fundamental no desenvolvimento desta prática forense, concebendo cada magistrado como sendo o protagonista de uma ordem social mais justa.
Por fim, temos a terceira e última postura teórica em relação ao movimento, esta é a corrente do Direito Alternativo, propriamente dito, os seguidores desta linha defendem o desenvolvimento de um novo direito, que se constituiria a partir da periferia da sociedade. Os defensores do Direito Alternativo acreditam que os grupos marginalizados e mais explorados congregam em si forte potencial de criação de um novo ordenamento livre dos vícios do atual sistema jurídico.
O já citado e renomado professor João Maurício Adeodato compreende de maneira diferenciada que o Direito Alternativo pode ser encarado sob duas vertentes diferentes: primeiramente, percebe-se a formação de um conjunto de mecanismos sociais que ocorrem às margens do Estado criado espontaneamente pelo excluídos (visão defendida pela doutrina majoritária), nesse sentido, o Direito Alternativo pode desenvolver tanto na busca de lutar por reconhecimento de direitos ainda não previstos pelo ordenamento jurídico oficial, como também na busca de tentar concretizar a realização de direito já garantidos pelo Estado; sob o segundo aspecto, teríamos a estruturação de certos procedimentos que são constituídos á sombra do Estado, pelos próprios agentes do Poder Público e também por sobrecidadãos que desfrutam de acesso privilegiado ao sistema oficial de conflitos, o direito Estatal, estes, por sua vez, não se submetem ao direito oficial e utilizam-se de diversas estratégias para burla a lei, a citar o famoso “jeitinho”, a corrupção, o clientelismo, a ficção da isonomia, a dicotomia regra-exceção, entre outras formas de procrastinação do feito.

Reflexão sobre algumas questões
Como foi apresentado no inicio desta discussão, nosso atual ordenamento jurídico e o Estado em sua completa estrutura sofrem fortes desencontros com a realidade atual, todos estes conflitos de ordem econômica, social e política com os quais nos deparamos todos os dias a cada passo que damos são reflexos de uma longa trajetória política desequilibrada e descomprometida com o social. Seria de se estranha o não surgimento de um movimento antagônico a este sistema, que se propusesse a fazer aquilo tudo que o Estado tem o dever de fazer e não faz. Todavia, devemos tomar cuidado, pois esta alternativa libertadora pode, assim como tudo que existe, sofrer deturpações e trazer conseqüências negativas ainda mais destrutivas que a própria negação dos direitos oficialmente postos.
Práticas de vingança privadas, por exemplo, longe de consolidar uma nova ordem jurídica positiva em todos os sentidos, na realidade traduzem práticas arcaicas cruéis cuja abolição custou muito sangue da humanidade ao longo de sua história. 

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